Fiz tudo do jeito que você gosta, e também do jeito que eu achava que você gostava; e deixei a barba mal feita, e cheirava a suor, mas suor levemente salgado, e só um pouco, para o mundo não perceber seu cheiro preferido que é só seu e não está disponível para o mundo. Também amarrei as horas todas para que todas elas dessem em você; maestrei tudo, enfim, para que viesses a mim e amasses a mim como antigamente, mas você se foi e nem olhou para trás e minha segurança foi junto, e minha auto estima também, e a esperança e tudo mais que de bom me restava, inclusive a esperança, já disse... Foram-se, todos. Só ficou uma dor de fome enorme e eu acordei rodeado de migalhas; eu acordei? Mas ainda com tanta fome de amor que essas coisas poucas mas honestas que você me deu eu vomitei, não digeri, então a dor era fome e eu chorei por as coisas serem assim, eu não queria que as coisas fossem assim, e me envergonhei por as coisas serem assim, porque o amor romântico pode ser bonito nos livros mas não é tanto na vida real, e eu estou sofrendo. E aí eu concluí que o melhor é desistir de nós porque meu amor ingênuo e romântico, fresco, não está para sua alma elevada e calma, minha alma está para a revolução sem causa da juventude enquanto sua alma está para a burocratização de oito horas de expediente mais três de hora extra com duas para almoço, o que totaliza quatro horas de ônibus, duas para vir, duas para ir, o que proporciona cinco horas intensas e mal dormidas de sono, o que torna, finalmente, sua alma velha e cansada para a revolução fresca e passageira de minha alma jovem.
Você está velho,
você tem toda razão do mundo.
E o céu também chorou comigo quando eu senti a fome, nessas noites de quarta-feira que parecem não ter fim, malditos minutos pesados que se parecem com dias quentes e secos num deserto repleto de tempestades de areia e terra em meus olhos secos, sem horas para sono nem descanso, malditas horas em que estou sozinho; interminaveis quartas onde até o céu entendeu que eu desistir de você é como me arrancar qualquer pedaço que muito me faria falta se arrancassem de verdade; mas tão bem o céu também entendeu que eu sobreviveria - sim, ele disse, dói mas você sobreviverá...
E a noite toda eu chorei... Também chorei ao rever-te, mas o amor vingativo só é bonito nas telas. Eu te dei um beijo na testa, mesmo distante quilômetros de distância como agora estamos, mas dei, por tudo que você me ensinou; e desejei que seus pais não morram tão cedo, para você tenha de quem cuidar por muito tempo; e que o outro igualmente não morra tão cedo, para você também ter mais de quem cuidar; e que o outro também te tenha mais tempo e igualmente tenha mais anos de vida que você, para que, caso morras primeiro, pelo menos não sintas o que é ficar só, e que já no céu voltes a cuidar dos teus e novamente faça o que te faz feliz; e dei um beijo, finalmente, para dizer que, se, um dia, finalmente, todos os outros forem primeiro que você e aí ficares só, inclusive o sono e o cansaço se forem - quando não houver mais desculpas e finalmente tiveres tempo para mim porque não terás com quem mais importante gastar tempo, aí me procure que eu vou abrir as portas de minha vida para você e vou amar você com gosto de saudade e abstinência na boca, e depois vou cuidar de você e vou tentar viver nessas horas futuras, restos dos dias, o que hoje não teve tempo de me oferecer, você; ou disposição ou qualquer coisa do tipo que agora não importa porque você ficou para trás como aquelas lágrimas de quarta-feira que eu chorei só porque amei você demais e por isso você não entendeu muito ou simplesmente teve medo.
Mas eu ainda amo você. Só não quero mais amar.