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sábado, 26 de junho de 2010

Sem título - a menina do papai

Sentada ao meio fio, ela olhou mas não viu qualquer perspectiva de presente ou de futuro; olhar de vazio, como sempre era assim, e apenas seu passado de menina ela via: o cabelo penteado ao meio, o sol na grama úmida e o pai, com sua máquina de aparar 'mato', o motor barulhento que a fazia gritar, "Mas não precisa gritar minha querida", dizia papai, que desligava a máquina para ouvi-la melhor.
_Mas não é contra a natureza da planta o senhor cortar ela papai?!
_A gente corta para ela ficar mais bonita... mais verde... 
O olhar de obediência dizia que ela respeitava mas ainda assim não entendia. Talvez fosse o sol forte que fazia ela olhar com aquela cara... mas aquela não era a resposta que ambos queriam ouvir... Ele largou a máquina, sentou-se ao seu lado e disse:
_O que você acha? Vamos deixar, então, a grama crescer?
_Pode pai? O brilho no olhar agora era verdadeiro, não era o sol, era alegria, concluiu.
_Se você quiser, assim será.  
Ela caminhou então, o pesinho 28 descalso, a grama fria e aquele vento leve; ela se pegou sorrindo, agora com pesinhos 35 e a brisa igualmente feliz, agora ela para e olha, e pensa:
_Essa grama sou eu, querendo crescer livre e pesada; é sobretudo o meu amor e tudo que eu sou... Se pedes que eu pare ou me cale, você é essa máquina infeliz e barulhenta, triste, cortando meus sonhos e meus desejos e o que eu sou - tornando-me só mais um alguém em meio a todos... E eu não sou igual a eles, nem eles são iguais entre si, mas por que o mundo insiste em se assustar com o que se realmente é? Por quê?
Só, ela olhou para trás, ele continuava parado, estático, morto?
_Pois eu morro, agora gritava, mas não deixo de ser assim, porque morte miserável é isso que você faz por mim...
_Cala a boca, ele disse...
_Eu me calo, para sempre...
O olho no olho
_...apenas para ti... e se prometi isso das outras vezes mas não cumpri, prometo novamente hoje, e depois de tudo que sofri, eu mostrarei a ti se não consigo... Nunca, escute bem...
Pota do dedo ao rosto
_Nunca mais arranco meu coração de meu peito para não mais sofrer...
Olhos marejados
_Antes disso arranco você de mim.


Deu as costas e foi. Não olhou para trás.
Para ouvir: Equalize