Derrubo os papéis sobre a mesa e esvazio as prateleiras do armário da sala. A poeira entra em minhas vias respiratórias e me vejo espirrando e respirando mal.
Controlo-me!
Bebo mais um gole de vinho tinto. Meu sangue finito... tudo parece mais azulado naquela tarde de estranho frio nobre, como o sangue de um Lord. Tudo mais azulado, inclusive os papéis, as paredes e os livros...
Bebo pra esquecer, penso, enquanto me concentro pra atividade que fazera.
Derrepende ouço um barulho estranho, vindo de não sei de onde, feito de não sei o quê no meio daquele universo rustico de madeira, cimento, natureza e tempo. Que barulho estranho, é o celular, no silencioso, que vibra incessantemente, talvez em busca de consolo, talvez em busca de desterro...
Onde está esse bendito, pergunto, derrubando os papéis no chão frio de cimento e terra. Por que não desliguei o aparelho, digo, enquanto me dou conta da bagunça em que me encontro em menos de segundos... quantos segundos?
Limpo a mesa com um único movimento. O vinho tinto escorre na parede e as sobras de cigarro espalham-se pelo ar úmido. Chamo algum palavrão escabroso e, no meio de tudo, vejo o celular espatifar-se ao chão: bateria para um lado, aparelho para o outro, como numa dança onde as partes separam-se para nunca mais se sencontrar.
Controlo-me. O vinho tinto já corre em meu sangue frio, penso.
Uno as partes separadas, como a fada madrinha que abençoa o amor puro dos recém separados... paro. Estou bêbado... Uno as partes separadas com a sede de quem necessita da resposta ao enigma. Ligo o aparelho, rodo atrás de opções confusas e paro nas ligações não atendidas... vejo um número separado pelo último gole de vinho: é seu nome que o aparelho mostra. Seu nome... teu nome. Sento no chão, e novamente espatifo o aparelho contra a parede. Procuro o que resta do vinho e concluo que o que resta de mim escorre pelo chão, como o líquido tinto de 1915.
Choro...
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
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